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Vou contar um história para você, que me levou a visitar a criança humilhada que me habita.

Uma experiência que vivi recentemente, que me tirou o sono por algumas noites.







Durante esse mês eu refleti muito sobre o livre arbítrio, escolhi não escrever um projeto monográfico apesar de estar mergulhada nas obras literárias e degustando meus momentos de estudos.


Optar por não escrever poderia ser uma opção madura e consciente ou necessariamente seria uma fuga ou uma sabotagem? Ou seriam os meus complexos em ação…



Por razões pessoais escrevi ao prof que não enviaria meu trabalho e ele me convidou gentilmente a tentar escrever e enviar mesmo com atraso, minhas hipóteses e áreas a serem investigadas estavam vivas dentro de mim… então experimentei escrever, para mim, como um guia para aprofundamento posterior…


As infos deveriam ser colocadas em um formulário, coloquei levada pelo fluxo do processo! Enviei e chegou o dia da apresentação.


A sala foi aberta, eram 20 pessoas acompanhadas de suas emoções pré apresentação.


Para cada apre e trocas o professor reservou 20 minutos.


Resolveu chamar as pessoas para apresentar aleatoriamente, algo me disse naquele momento que eu seria a última já que havia entregue após a data, nada mais justo.


Seguimos, após quase 9 horas de apresentações ouvi o meu nome (bem pertinho das 18:00 sendo que o horário previsto de termino era 17:45) a princípio dizendo que não poderia aceitar o meu trabalho porque faltava um elemento… puxa vida.


Me dei conta que havia feito uma besteira e excluido sem querer durante a formatação, expliquei e seguimos (besteira corrigida, elemento inserido).


Selma, ele disse “eu li o seu trabalho e boiei”


Depois que tudo acabou, modo de dizer pois claro que para mim não acabou, o que ficou reverberando em mim foram as palavras não ditas por mim como por exemplo:


Me surpreende professor o termo “boiar” ao tratar-se de um projeto teórico acadêmico, onde tudo foi retirado das obras literárias, ipsis litteris.


Provavelmente eu poderia ter ordenado o conteúdo de forma a deixar mais simples o meu ponto, percebi logo que viajei no título: O Ato de Psiquificar como uma armadilha para a sociedade. Hein?!?


Vou explicar melhor, Jung menciona de forma pontual em sua obra o conceito instinto psiquificado. Justamente por ser pontual despertou meu interesse…


Em aula um professor descreveu esse conceito referindo-se as nossas tentativas de continuamente darmos uma conotação psíquica ao instinto, justificando nossas ações e domesticando assim nossos instintos. Aquilo me instigou e resolvi investigar os possíveis efeitos dessa “domesticação”… levantei algumas hipóteses, todas pautadas em escritos das obras.


Acontece que instinto é muito pouco abordado nas obras junguianas… e eu e o professor aparentemente não chegamos a um entendimento comum. Ele pressionado pelo tempo e eu abalada por sua abordagem…


Tudo isso para dizer que após as palavras iniciais dele eu perdi o prumo e não consegui colocar a minha linha de pensamento de forma clara, ele seguiu dizendo que não sabia como me ajudar e desconstruindo o que eu tentava construir. O que poderia ter sido maravilhoso se feito de forma construtiva, e não destrutiva.


Resolvi expor que as palavras dele tocaram em mim de forma dura e que eu não estava conseguindo expor minha linha de raciocínio, ele me interrompia tanto que eu não saia do lugar, eu estava vermelha e aflita. Ele respondeu dizendo ironicamente:

— Ah, a palavra “boiei” acionou o seu complexo?!


Minhas palavras não ditas: independente de quem vos fala ser o meu complexo ou não, realmente acho que o que importa é como estou me sentindo e essas sensações estão bem claras para mim, acredito que bem transparentes para o grupo também.


Além do que professor, um analista Junguiano assim como qualquer psi ou terapeuta provavelmente aprendeu que o caminho é acolher a parte (do cliente/paciente) que está em sofrimento e ali ficou claro que optou por jogar pedras.


Ele seguiu:

— Realmente foi pejorativo o que eu falei e ressaltou - mas é verdade.


Minhas palavras não ditas: claro professor, a sua verdade, que boiou ao ler trechos da obra, talvez por estarem desornados. A minha verdade é que estou achando tudo isso extremamente desconfortável e desnecessário. Não preciso te explicar que a sua verdade é apenas a sua verdade.


Ele enfatizou que não tinha muito como me ajudar e que abriria para o grupo, que claramente não tinha compreendido absolutamente nada do projeto uma vez que a cada palavra dita eu era interrompida com uma pergunta ou uma invalidação…muito do que ele me perguntou estava ali escrito, mas enfim.


Já que não sabia mais como me ajudar e eu disse que sentia que meu projeto estava sendo assassinado, ele abriu para o grupo que gentilmente dividiu comigo algumas ideias…


Uma pessoa trouxe uma metáfora, completamente alinhada com o que eu estava tentando trazer, ele cortou dizendo que também não tinha entendido o porque do comentário dela.


A sala silenciou.


E veio a cereja do bolo:

— Bom pessoal, passamos do horário porque tivemos que escutar a Selma 😱


Eu disse ao grupo: da minha parte peço desculpas.


O professor respondeu: é a vida.


Encerramos dessa forma, após 9 horas de encontro. Do jeito que ele escolheu.


Ah! Não posso deixar de dizer que em algum momento ele disse que eu tinha um projeto chique e muito interessante mas que deveria ser um mestrado ou doutorado.


Algumas horas se passaram, após o encerramento. Durante o dia, eu estava com 5 crianças em casa que passavam por mim de tempos em tempos e perguntavam:

- Já apresentou tia Sel? Ou, ja apresentou mamãe?

- Serei a última, eu respondia.


Claro que quando acabou dividi com todos a experiência, com a intenção de deixar claro que estarão sempre sujeitos ao olhar e “avaliação” do outro.


Também fica claro que não é porque me formei há mais de 20 anos, tenho 5 especializações e um consultório muito bem consolidado que não enfrentarei situações onde me sentirei completamente incompreendida.


Fica claro que as vezes você faz uma redação de duas páginas quando está aprendendo a escrever, com trechos criativos, sai orgulhoso e a professora, no dia seguinte, diz: você não me convenceu. Aconteceu com meu filho.


Me lembrei de um bate papo maravilhoso que tive com o Irvin D. Yallow, autor do livro Quando Nietzsche Chorou, ele sentado em sua casa aos 90 anos e eu derrubando lágrimas sem parar ao ouvi-lo: não é sobre escolher uma linha da psicologia ou terapêutica , é sobre ser humano no trato com as pessoas, ser gentil, abrir-se para que elas consigam se abrir para você também.


Quem me conhece sabe que eu abraço diferentes linhas por acreditar verdadeiramente que eu como terapeuta devo disponibilizar meus recursos, técnicas e conhecimento para o meu paciente/cliente e não escolherei uma linha única (nem daria pois foram tantas as experiências vividas que já estão aqui, bem guardadinhas em algum lugar do meu ser) acreditando que atende a maior parte das pessoas.


Inclusive acredito, que para algumas pessoas, escolher um único caminho pode levar a alienação.


Ah! Para terminar 1:30 depois de finalizarmos as apresentações comecei a receber algumas mensagens de pessoas que eu não conhecia mas que presenciaram meu momento.


Mensagens empáticas, artigos e até uma tese de mestrado com o tema que propus.


E se não bastasse, a colega que trouxe a metáfora, médica com duas graduações, diversas especializações, vários projetos monográficos entregues enviou uma mensagem a escola e desistiu do curso relatando o que aconteceu. Percebeu que estudar por conta ou com pessoas que possa admirar faria mais sentido, me disse.


Minha intenção aqui não é expor a escola e nem o professor mas tirar de mim esse fantasma para que não fique impregnado. E para que eu consiga olhar para os aprendizados e seguir adiante com um olhar mais simplista e compreensível para o leitor.


Quanto mais eu estudo mais tenho a certeza que o caminho é escolher uma linha terapêutica “humanista” onde partirmos de um lugar vulnerável, igual, eu vivo o mesmo que você. Não sou melhor nem pior, o sofrimento é universal.


Cuidarei da minha criança que se sentiu humilhada, exposta e atacada. Farei isso porque tive oportunidade de conhecer (em mim) nesses anos todos uma mulher, madura, acolhedora, que aprende com os tomates que lhe são arremessados quando está no palco.


Fica aqui a minha reflexão: em situações como essa, o que é meu e o que é do outro?



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