Como criarmos um filho ou uma filha que tenha a inteligência emocional mais desenvolvida?
Um primeiro ponto de reflexão que gostaria de propor é percebermos o quanto a grande maioria de nós somos ignorantes emocionais e justamente por isso, dificilmente conseguimos ensinar nossos filhos a lidarem com suas próprias emoções.
Um estudo apresentado pela Box1824 em 2016 revela que mais de 80% das demissões profissionais ou carreiras que não se desenvolvem acontecem por questões comportamentais e socioemocionais como por exemplo não saber lidar com frustrações ou criticas, não trabalhar bem em equipe, não ter auto confiança e segurança para se expor, entre outros.
Outro ponto inegável é o expressivo crescimento do uso de medicamentos ansiolíticos, antidepressivos, calmantes para dormir, etc. Tanto em adultos quanto em crianças. Nos EUA por exemplo, somente em 2010 pelo menos 5,2 milhões de crianças o que representa quase 10% das crianças com idades entre 3 e 17 anos estavam tomando ritalina contra déficit de atenção com hiperatividade segundo o Centro Nacional de Estatísticas da Saúde.
Cada vez mais estudos mostram que as emoções são intrinsicamente ligadas a capacidade de aprendizado e absorção.
A questão é que assim como nossos pais, nós não fomos ensinados a lidar e aprender sobre emoções. Todo nosso sistema de ensino e educação também não possui métodos e ferramentas para incorporar este aspecto tão central e crucial nas nossas vidas.
Por isso, quando se trata de nossos filhos, somos capazes de enxergar o desenvolvimento motor da criança, assim como o desenvolvimento cognitivo. Mas e o lado emocional?
A verdade é que não temos acesso ao lado emocional de ninguém.
É comum nos depararmos com adultos que descrevem crianças como agitadas, histéricas, ansiosas, briguentas, gulosas, inquietas, ciumentas, birrentas, manhosas.
O que será que está por trás de tudo isso?
Então, um primeiro desafio: como compreender o que o outro, no caso nosso filho ou filha de fato está sentindo?
A dificuldade em compreender está atrelada a forma que nós quando crianças fomos ensinados a lidar com as emoções, sempre entendendo que as emoções ruins deveriam ser escondidas, abafadas ou reprimidas.
Expressões como: “não chore, vai passar, não foi nada, não precisa ficar assim, não grita, para agora...” nos mostram como lidamos com situações onde as emoções negativas entram em cena.
Isso se amplifica ainda mais hoje em dia com nossa obsessão pela felicidade e pela necessidade de mostrar nossas vidas “tão perfeitas” nas redes sociais.
Fomos ensinados que sentir-se triste é ruim.
E vai além, se ficar triste não vale a pena, ter raiva é um horror, ser impulsivo é descontrole.
As emoções tem um aspecto fisiológico, ou seja, elas atuam em nosso corpo de forma que não temos controle sobre elas. Exemplos: vermelhidão, palpitação, tremedeira, sudorese.
É um grande desafio buscar recursos e formas de nos acalmarmos diante de uma forte emoção. E assim também acontece nas crianças.
Imagino que esteja se perguntando, então o que faço? Deixo chorar, fazer birra, se expressar?
A resposta é que devemos legitimar, dar a devida importância e nomear o sentimento da criança.
Reconhecer e permitir que fique triste, frustrada, com raiva, com medo.
Um exemplo simples é quando a criança cai e chora. Se há o choro há algo por trás, que seja uma sensação de susto, de vergonha, de dor no caso de ter se machucado. Ou, uma vontade de receber atenção.
É importante que ela perceba a razão de seu próprio choro e sinta-se acolhida ou compreendida. Dizer que não foi nada ou que já passou sugere que ela ignore seus próprios sentimentos.
A criança que está em “surto” provavelmente não compreende o que sente, quando nós a ajudamos a entender o que está sentindo, ela se acalma , se sente amparada e compreendida.
Toda raiva, birra ou surto está atrelada à uma frustração. O ideal é abordarmos a frustração que gerou esse descontrole. Tendemos a cometer o erro de abordarmos o mal comportamento (o “surto” ) ao invés da causa, ou seja a sensação que levou a tal episódio. Isso posteriormente pode gerar culpa e uma sensação de que “não sou aquilo que meus pais gostariam que eu fosse”.
Falar sobre o que sente deve ser um hábito. E pode ser construído desde muito pequeno, se nós pais apresentarmos um repertório de emoções. Podemos fazer isso explorando personagens, livros infantis, inventando histórias, estimulando o contato com o sentimento do outro e principalmente falando sobre os nossos próprios. Acessando e dando vasão ao que nós sentimos.
Outra prática que recomendo é contar histórias da sua infância, inclusive das dificuldades e sofrimentos que cada um de nós passou, pois isso gera identificação e aproxima a criança de você. Nossos filhos percebem que faz parte da vida sentir medo, ter inseguranças, ficarem tristes, etc.
Recentemente foi lançado o filme divertidamente que abriu um canal de aproximação com o universo das emoções.
Nele é possível ver que a personagem somente consegue elaborar o fato de estar longe dos amigos, em um lugar estranho e em escola nova quando ela vive intensamente a tristeza.
A tristeza é uma emoção lúcida, devemos sim permitir que nossos filhos fiquem tristes e inclusive que acessem a tristeza após um episódio de raiva ou impulso. É nesse momento que está o aprendizado.
Exemplo: a criança com quem os amigos não querem brincar, chega para contar para os pais e esses respondem: “vá brincar de outra coisa! Não precisa chorar por causa disso.”
Se essa criança realmente entrar em contato com a tristeza, provavelmente irá aprender algo. Talvez não fará isso com alguém quando tiver oportunidade. Porém, se ficar no âmbito da raiva, a probabilidade é dela criar um senso de vingança e querer fazer o mesmo, ainda que de forma inconsciente.
As emoções das crianças se manifestam ainda num estado mais “puro”.
Você já viu alguma criança pequena chorar de alegria? Na primeira infância as emoções são liberadas de forma livre e espontânea, porém conforme vamos crescendo ficamos habilidosos em esconder nossas emoções, principalmente as negativas, que nos colocam mais vulneráveis. E isso dificulta muito a conexão entre pais e filhos.
Porque nós adultos choramos de alegria? Provavelmente porque para chegarmos naquele momento alegre vivenciamos muita dor ou passamos por muito esforço.
Uma mãe em um dos grupos que fizemos recentemente nos perguntou: “como devo explicar para o meu filho porque os atletas nas olimpíadas choram quando ganham medalhas? Nós fomos para o Rio de Janeiro e meus filhos não conseguiram compreender... “
De fato é muito difícil compreender, chegamos em um ponto onde nossas emoções são tão mescladas e confusas que me faz lembrar do trecho de uma música do nosso querido Milton Nascimento: “...de uma gente que ri quando deve chorar e não vive, apenas aguenta... Mas é preciso ter força. É preciso ter raça. É preciso ter gana sempre...”
O espelhamento entre pais e filhos é um fato comprovado pela neurociência, daí a oportunidade de refletirmos sobre a forma como nós adultos lidamos com as nossas emoções e como isso refletirá nos nossos filhos.
E aí? Tá doendo? Não é nada. Vai passar... ;-)
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